quarta-feira, 20 de abril de 2011

Os ombros suportam o mundo

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.

Tempo de absoluta depuração.

Tempo em que não se diz mais: meu amor


Porque o amor resultou inútil.

E os olhos não choram.

E as mãos tecem apenas o rude trabalho.

E o coração está seco.




Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.

Ficaste sozinho, a luz apagou-se,

mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.


És todo certeza, já não sabes sofrer.

E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?

Teus ombros suportam o mundo

e ele não pesa mais que a mão de uma criança.



As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios

provam apenas que a vida prossege

e nem todos se libertaram ainda.


Alguns, achando bárbaro o espetáculo,

prefeririam (os delicados) morrer.

Chegou um tempo em que não adianta morrer.

Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.

A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond de Andrade

** Esse texto foi gentilmente cedido pelo amigo e Poeta Rossandro Laurindo que declamou no Sarau do Beco dos Poetas na Virada Cultural 2011.


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