Parte 3
(...)A surpresa ao ver o filho sentado ao piano sorrindo e o patrão incentivando-o demorou para abandoná-la e, aproximou-se, levou a primeira repreensão do patrão: —Dona Thalita, não vê que eu estou dando aulas ao meu aluno? Vá cuidar do seu serviço e não nos incomode! A voz orgulhosa do pianista voltara e Thalita foi telefonar ao médico do patrão:
—Doutor... É Thalita... O senhor tinha razão, o patrão só precisava de um motivo para continuar vivendo... Sim eu acho que ele o achou...
Os meses de fisioterapia não fizeram tanto efeito como as teclas do piano, os dedos de papai começaram a responder e, com a fisioterapia, em um ano já conseguia tocar algumas canções ao lado de seu aluno favorito.
Os dois tornaram-se companheiros inseparáveis; quando não estavam estudando piano, estavam assistindo à televisão; papai parou com o mau-humor e já podíamos conversar como nos velhos tempos; aos poucos a vida foi voltando ao normal, papai chegou a ser até convidado a voltar ao conservatório, mas recusou; o seu aluno favorito, como chamava Dani, ocupava todo o seu tempo.
Dani era um garoto especial e as suas dificuldades eram um empecilho para o aprendizado; ele decorava a posição das notas, mas no dia seguinte tinha só algumas lembranças do que aprendera; a persistência de papai e a amizade que nascera entre eles eram o que não permitia que as aulas acabassem, para alegria de Thalita, que via ao seu filho pela primeira vez feliz, e ao lado de alguém que era muito próximo de um pai...
Era muito comum encontrar papai, Dani e Thalita no quintal jogando bola ou na piscina tomando sol...
Aos poucos, papai foi se afastando novamente de nós, e desta vez não ficamos preocupados ou magoados; talvez um pouco enciumados... Papai passava mais tempo com Dani e Thalita do que conosco; eles estavam viajando, iam à praia, ao campo, ao exterior e não foi nenhuma surpresa quando anunciou em um jantar com toda a família que iria se casar com Thalita.
Acho que no fundo todos já esperávamos por isso...
Mas eu me lembrava muito bem e, aproveitando que estava na igreja, agradeci a Deus por Dani ter surgido em, nossas vidas...Ele realmente era um garoto muito especial...e com os olhos procurei por ele, sem o encontrar...
A marcha nupcial começou a tocar e a noiva entrou na igreja, com os olhos cheios de lágrimas e um sorriso no rosto; o padre começou os ritos matrimoniais e, após o sim dos noivos, a marcha nupcial recomeçou; era tocada com maestria e emocionava, papai estava chorando e Thalita também; os dois olhavam para o alto, de frente para os convidados...
Segui os seus olhares e vi que, no segundo pavimento, meu irmãozinho Dani ao piano tocava a marcha nupcial; os convidados me vendo olhando emocionado seguiram também meu olhar e, ao reconhecerem Dani, as palmas começaram saudando o pianista e ao seu mestre que, vestido de noivo, beijava a noiva.
Naquele momento descobri o quanto Dani era especial, não pela síndrome de Down, mas sim por trazer a alegria de volta a tantas pessoas...apenas por existir!
(Autor: Marcio Marcelo do Nascimento Sena)